As células-tronco

O que são?

 

As células-tronco, do inglês stem cells, são células que ainda não atingiram a fase de maturação onde ocorre a sua especialização, ou seja, não possuem função definida e nem adquiriram características fenotípicas de nenhum tecido específico.

 

As características mais relevantes desse tipo de célula são a capacidade de diferenciação em qualquer tipo celular e também a autorrenovação através da duplicação (LEMISCHKA, 2005).

 

Quais são os tipos?

 

Quanto sua origem, as células-tronco podem ser tanto embrionárias (CTE), encontradas na fase embrionária de blastocisto; quanto adultas (CTA), encontradas principalmente na medula óssea (dividindo-se nesta em hematopoiéticas e estromais ou mesenquimais) e no sangue do cordão umbilical.

 

As CTA também estão disponíveis em menor quantidade na corrente sanguínea, no fígado, no sistema nervoso e no tecido epitelial, dentre outros tecidos, sendo, no entanto, consideradas de obtenção invasiva para aplicação nas pesquisas biomédicas (KOLIOS; MOODLEY, 2013).

 

  • As células-tronco embrionárias são do tipo totipotentes, ou seja, podem originar qualquer tecido do corpo humano, abrangendo os 216 tipos celulares descritos, incluindo a placenta e os anexos embrionários.

    Durante a fase embrionária, passados aproximadamente cinco dias, deixam de ter essa característica, uma vez que já se especializaram majoritariamente em tecido cardíaco e sistema nervoso (ainda em desenvolvimento) (BAKER; PERA, 2018).

    Quando se fala em células-tronco embrionárias, nos deparamos com os conflitos éticos da possível utilização de um ser vivo em fase embrionária para qualquer outro fim que não seja seu desenvolvimento e nascimento.

    A versatilidade dessas células fica em segundo plano, dando lugar às discussões sobre os limites da pesquisa (DE MIGUEL-BERIAIN, 2015). Nesse sentido, muitos pesquisadores lançam mão da utilização dos anexos embrionários para a obtenção das células-tronco, como é o caso da placenta.

    Diversos tipos de células-tronco podem ser isolados da placenta, como por exemplo as células epiteliais da membrana amniótica humana. As suas principais características atrativas são capacidade de diferenciação semelhante a de células-tronco embrionárias e propriedades imunomodulatórias semelhantes a de células-tronco adultas (MIKI, 2018).

 

celulas tronco

 

  • Já as células-tronco adultas são conhecidas como multi ou pluripotentes, originando quase todos os tipos celulares, excetuando-se os anexos embrionários e a placenta (CLEVERS, 2015). 

 

  • Um terceiro e mais recente tipo de células-tronco são as pluripotentes induzidas (iPSC), ou seja, estimuladas sinteticamente em laboratório (OHNUKI; TAKAHASHI, 2015).

    A indefinição da controvérsia ética tornou as iPSC humanas mais atraentes do que as CTE humanas para análises de fármacos e estudos relacionados à toxicologia e, com o tempo, as linhagens celulares disponíveis em bancos de iPSC humanas provavelmente assumirão o lugar das CTE humanas.

    Ainda assim, atualmente, as CTE humanas são indispensáveis, pois os seus resultados em ensaios clínicos constituem o padrão-ouro para qualquer futura terapia celular baseada em iPSC (ILIC; OGILVIE, 2017).

 

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Como se formam e como atingem a especialização?

 

Existem várias etapas no processo de especialização de uma célula-tronco. A cada etapa, o seu potencial de desenvolvimento é reduzido, de forma que a célula-tronco unipotente não seja capaz de se diferenciar em tantos tipos de células quanto pluripotente.

 

Os mecanismos que levam à diferenciação e especialização em um tecido específico ainda não foram totalmente elucidados, embora em laboratório já seja possível oferecer estímulos como a adição de fatores de diferenciação através de experimentos in vitro (VENKEI; YAMASHITA, 2018).

 

Muito se tem falado sobre a ideia de que a divisão celular assimétrica é uma característica definidora das células-tronco que permite que elas simultaneamente se perpetuem (pela autorrenovação) e gerem uma progênie diferenciada.

 

No entanto, muitas células-tronco podem se dividir simetricamente, principalmente quando se expandem em número durante o desenvolvimento ou após uma lesão. Assim, a divisão assimétrica não se faz necessária para a identidade das células-tronco; trata-se, no entanto, de uma ferramenta para a manutenção de números adequados de descendentes.

 

O uso facultativo das divisões simétricas ou assimétricas pode ser uma estratégia adaptativa para a capacidade regenerativa dos tecidos adultos (MORRISON; KIMBLE, 2006).

 

 

Os telômeros são estruturas proteicas e formadas por DNA não-codificante localizados nas extremidades dos cromossomos para prevenir o desgaste do conteúdo genético ao longo das replicações, sendo sua diminuição associada ao envelhecimento celular.

 

Em células normais e tumorais em proliferação, o comprimento do telômero é regulado pela alta atividade da enzima telomerase. Na ausência desse mecanismo, a manutenção do tamanho do telômero envolve um mecanismo de alongamento alternativo dos telômeros (ARSENIS et al., 2017).

 

Um estudo envolvendo células-tronco de camundongos, com alta carga proliferativa, avaliou o efeito da irradiação gama sobre a expressão e ação da enzima telomerase, revelando diminuição ou mesmo ausência de atividade (VYSOTSKAYA et al., 2020). 

 

Aplicações terapêuticas:

 

As terapias celulares utilizam as habilidades clonogênicas inerentes da própria célula-tronco, onde são empregados estímulos específicos para programar a sua diferenciação em um tipo celular de interesse, visando à regeneração ou até mesmo a substituição de um tecido lesado (FODOR, 2003; ZAKRZEWSKI et al., 2019).

 

As mais recentes aplicações terapêuticas empregam, por exemplo, as células-tronco derivadas do tecido adiposo (ASC), do inglês adipose-derived stem cells, em ensaios pré-clínicos de regeneração tecidual óssea, tendo em vista a sua fácil obtenção que, apesar de invasiva, é remanescente de procedimentos estéticos realizados rotineiramente.

 

Outras particularidades as tornam atrativas, tais quais: a considerável plasticidade, adequada cinética de proliferação e suas propriedades tróficas – como a secreção de substâncias bioativas que atuam de forma parácrina, ou seja, atuam localmente nas células vizinhas (BARBA; DI TARANTO; LATTANZI, 2017; TAJIMA; TOBITA; MIZUNO, 2018).

 

Como alternativa ao transplante no caso de falência em decorrência de tumores, infecção viral, cirrose e outras causas, o emprego de células-tronco embrionárias apresentou resultados promissores na regeneração hepática em testes in vitro e in vivo (KOPP; GROMPE; SANDER, 2016; VOLAREVIC et al., 2014; WANG et al., 2019). 

 

O campo das doenças neurodegenerativas também é beneficiado pela ampla utilização da terapia com as células-tronco embrionárias, no entanto, além na imunorejeição, já foi relatada a produção de teratoma após sua injeção (ARNHOLD et al., 2004).

 

Alternativamente, as CTA tem mostrado excelentes resultados considerando o seu desenvolvimento limitado; especialmente com a recente modificação genética para superexpressão de genes das CTE pelas CTA, aumentando assim seu potencial de desenvolvimento e a capacidade proliferativa, permitindo principalmente a sua diferenciação em células-tronco neurais (DENG et al., 2006; SUGAYA; VAIDYA, 2018).

 

Outras desordens como doenças cardiovasculares e doença de Parkinson são alvo de estudos para terapia com células-tronco, considerando que dependendo da fase da doença podem tornar-se incapacitantes e levarem à morbidade.

 

Desde o primeiro transplante cardíaco em humanos, foram utilizadas células-tronco de diversas origens, como as derivadas da medula óssea e as embrionárias, além dos progenitores cardíacos.

 

No entanto, os resultados obtidos em estudos clínicos foram inconsistentes devido à limitação do remodelamento cardíaco (MÜLLER; LEMCKE; DAVID, 2018; RIKHTEGAR et al., 2019).

 

Já para a doença de Parkinson que só dispõe de tratamento para atenuação dos sintomas, a terapia de substituição por células-tronco promete restabelecer a funcionalidade do sistema neuronal afetado, oferecendo alguma qualidade de vida e melhora ao paciente.

 

Estudos recentes se mostraram promissores, pois os novos neurônios dopaminérgicos do mesencéfalo foram capazes de restaurar a neurotransmissão e de recuperar funcionalmente o sistema afetado (LIU; CHEUNG, 2020).

 

Dentre tantas vantagens e aplicações, ainda é importante mencionar que é desafiador encontrar uma fonte satisfatória dessas células (JIN, 2017).

 

Além da barreira da disponibilidade, apresentam risco de imunorejeição no caso de não serem de fontes autólogas (BRADLEY; BOLTON; PEDERSEN, 2002); no entanto, as dificuldades do processo não suplantam os inúmeros benefícios e os resultados concretos já descritos para as “células-tronco de nova geração” (KIMBREL; LANZA, 2020).

 

celulas tronco

 

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Referências:

 

  1. ARNHOLD, S. et al. Neurally selected embryonic stem cells induce tumor formation after long-term  survival following engraftment into the subretinal space. Investigative ophthalmology & visual science, v. 45, n. 12, p. 4251–4
  2. ARSENIS, N. C. et al. Physical activity and telomere length: Impact of aging and potential mechanisms of  action. Oncotarget, v. 8, n. 27, p. 45008–45019, jul. 2017. BAKER, C. L.; PERA, M. F. Capturing Totipotent Stem Cells. Cell stem cell, v. 22, n. 1, p. 25–34, jan. 2018.
  3. BARBA, M.; DI TARANTO, G.; LATTANZI, W. Adipose-derived stem cell therapies for bone regeneration. Expert opinion on biological therapy, v. 17, n. 6, p. 677–689, jun. 2017.
  4. BRADLEY, J. A.; BOLTON, E. M.; PEDERSEN, R. A. Stem cell medicine encounters the immune system. Nature reviews. Immunology, v. 2, n. 11, p. 859–871, nov. 2002.
  5. CLEVERS, H. STEM CELLS. What is an adult stem cell? Science (New York, N.Y.), v. 350, n. 6266, p. 1319–1320, dez. 2015.
  6. DE MIGUEL-BERIAIN, I. The ethics of stem cells revisited. Advanced drug delivery reviews, v. 82–83, p. 176–180, mar. 2015.
  7. DENG, Y.-B. et al. Implantation of BM mesenchymal stem cells into injured spinal cord elicits de novo  neurogenesis and functional recovery: evidence from a study in rhesus monkeys. Cytotherapy, v. 8, n. 3, p. 210–214, 2006.
  8. FODOR, W. L. Tissue engineering and cell based therapies, from the bench to the clinic: the  potential to replace, repair and regenerate. Reproductive biology and endocrinology : RB&E, v. 1, p. 102, nov. 2003.
  9. ILIC, D.; OGILVIE, C. Concise Review: Human Embryonic Stem Cells-What Have We Done? What Are We Doing?  Where Are We Going? Stem cells (Dayton, Ohio), v. 35, n. 1, p. 17–25, jan. 2017.
  10. JIN, J. Stem Cell Treatments. JAMA, v. 317, n. 3, p. 330, jan. 2017. 
  11. KIMBREL, E. A.; LANZA, R. Next-generation stem cells – ushering in a new era of cell-based therapies. Nature reviews. Drug discovery, v. 19, n. 7, p. 463–479, jul. 2020.
  12. KOLIOS, G.; MOODLEY, Y. Introduction to stem cells and regenerative medicine. Respiration; international review of thoracic diseases, v. 85, n. 1, p. 3–10, 2013.
  13. KOPP, J. L.; GROMPE, M.; SANDER, M. Stem cells versus plasticity in liver and pancreas regeneration. Nature cell biology, v. 18, n. 3, p. 238–245, mar. 2016.
  14. LEMISCHKA, I. R. Stem cell biology: a view toward the future. Annals of the New York Academy of Sciences, v. 1044, p. 132–138, jun. 2005.
  15. LIU, Z.; CHEUNG, H.-H. Stem Cell-Based Therapies for Parkinson Disease. International journal of molecular sciences, v. 21, n. 21, out. 2020.
  16. MIKI, T. Stem cell characteristics and the therapeutic potential of amniotic epithelial  cells. American journal of reproductive immunology (New York, N.Y. : 1989), v. 80, n. 4, p. e13003, out. 2018.
  17. MORRISON, S. J.; KIMBLE, J. Asymmetric and symmetric stem-cell divisions in development and cancer. Nature, v. 441, n. 7097, p. 1068–1074, jun. 2006.
  18. MÜLLER, P.; LEMCKE, H.; DAVID, R. Stem Cell Therapy in Heart Diseases – Cell Types, Mechanisms and Improvement  Strategies. Cellular physiology and biochemistry : international journal of experimental  cellular physiology, biochemistry, and pharmacology, v. 48, n. 6, p. 2607–2655, 2018.
  19. OHNUKI, M.; TAKAHASHI, K. Present and future challenges of induced pluripotent stem cells. Philosophical transactions of the Royal Society of London. Series B, Biological  sciences, v. 370, n. 1680, p. 20140367, out. 2015.
  20. RIKHTEGAR, R. et al. Stem cells as therapy for heart disease: iPSCs, ESCs, CSCs, and skeletal myoblasts. Biomedicine & pharmacotherapy = Biomedecine & pharmacotherapie, v. 109, p. 304–313, jan. 2019.
  21. SUGAYA, K.; VAIDYA, M. Stem Cell Therapies for Neurodegenerative Diseases. Advances in experimental medicine and biology, v. 1056, p. 61–84, 2018.
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  26. WANG, J. et al. Stem Cell-Based Therapies for Liver Diseases: An Overview and Update. Tissue engineering and regenerative medicine, v. 16, n. 2, p. 107–118, abr. 2019.
  27. ZAKRZEWSKI, W. et al. Stem cells: past, present, and future. Stem cell research & therapy, v. 10, n. 1, p. 68, fev. 2019.

 

 

 

Sobre o autor | Website

Sou médico, empresário e apaixonado por saúde. Nasci em uma família de médicos e aprendi desde cedo a questionar o status quo. Me formei em 2011 pela Faculdade de Medicina da UERJ, tirei dois títulos em duas especialidades médicas diferentes em menos de 5 anos de formado e criei junto com meu irmão, Dr. Gabriel Azzini, o programa Homem Super Saudável. Hoje tenho um dos principais podcasts do Brasil, mais de 2.000 mil alunos e centenas de milhares de seguidores no Youtube, Instagram e Podcast. Minhas obsessões incluem células tronco, terapias de crescimento capilares, modulação hormonal, jejum intermitente e suplementação regenerativa.