Pecuária e o Aquecimento Global

 “A pecuária é a maior responsável pelo aquecimento global”, quem nunca ouviu essa afirmativa nos últimos anos? E no Brasil, ela ganha força pelo fato de possuírmos o segundo maior rebanho de gado do mundo, com 205 milhões de cabeças de acordo com o IBGE (2010). Publicações alertam sobre a quantidade de metano emitida pelos bovinos e afirmam que a cadeia da carne é um perigo para o ambiente, condenando o consumo de carne como alimento;  outras associam o crescimento da pecuária nacional com a devastação de florestas para abertura de pasto através do desmatamento e queimadas. 

 

A FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations) divulgou em 2006 o relatório “Longa sombra da pecuária” (Livestock´s long shadow) em que acusa a pecuária de ser a grande “vilã” do aquecimento global, por conta da produção de gás metano advinda da digestão dos animais ruminantes.


Entretanto pesquisadores como Albrecht Glatzle, do INTTAS (Iniciativa de Pesquisa e Extensão de Tecnologias Agrárias Sustentáveis) afirmam não haver evidência científica de que a pecuária possa representar um risco para o clima da Terra. 

 

Antes de discutirmos sobre a relação real ou não do setor pecuário com as alterações climáticas, precisamos comentar sobre 1) gases do efeito estufa e 2) produção de metano pelos animais ruminantes. 

 

Gases Do Efeito Estufa

 

O efeito estufa se dá através da absorção de radiação infravermelha refletida pela superfície terrestre por gases, impedindo que a radiação escape para o espaço e assim aquecendo a superfície da Terra. Os principais gases responsáveis pelo efeito estufa,  devido à atividade antrópica (ou seja, resultando da ação do homem especialmente em relação às modificações no ambiente natural)  são:

 

Dióxido de carbono (CO2): principais fontes antrópicas são os combustíveis fósseis e o desmatamento. O tempo de meia vida desse gás é de 50-200 anos. Taxa de contribuição para o aquecimento global é de 60%; 

 

Metano (CH4): principais fontes antrópicas são cultivo de arroz inundado, pecuária, combustíveis fósseis e queima de biomassa. O tempo de meia vida é de 10 anos. Taxa de contribuição para o aquecimento global é de 20%; 

 

Óxido nitroso (N2O): principais fontes antrópicas são fertilizantes, conversão do uso da terra. Tempo de meia vida de 150 anos. Taxa de contribuição para o aquecimento global é de 6%; 

 

Clorofluorcarbonos (CFCs): principais fontes antrópicas são refrigeradores, aerossóis, processos industriais. Tempo de meia vida de 60-100 anos. Taxa de contribuição para o aquecimento global é de 14%; 

 

Ozônio (O3):  gás formado na baixa atmosfera, sob estímulo do sol, a partir de óxidos de nitrogênio (NOx) e hidrocarbonetos produzidos em usinas termoelétricas, pelos veículos, pelo uso de solventes e pelas queimadas. Tempo de meia vida é de semanas a meses. 

 

efeito estufa

 

 

Os gases podem ser classificados de acordo com o seu Potencial de Aquecimento Global (GWP, na sigla em inglês para Global Warming Potential) que é uma medida de como uma determinada quantidade de gás do efeito estufa (GEE) contribui para o aquecimento global. É uma medida relativa e tem como referência o dióxido de carbono cujo potencial é definido como 1. O Potencial de Aquecimento Global é calculado sobre um intervalo de tempo específico e este valor deve ser declarado para a comparação. Assim, o GWP do CH4 é de 21, ou seja, o metano absorve cerca de 21 vezes mais radiação infravermelha do que o CO2 (em 100 anos), enquanto o óxido nitroso apresenta GWP de 296 e o hexafluoreto de enxofre (SF6), amplamente utilizado em equipamentos elétricos de alta tensão, apresentam GWP de 23.900 (!). 

 

Ou seja, embora o CH4 retanha 21 vezes mais calor que o CO2, a vida útil do CH4 é de apenas uma década, enquanto o CO2 – conhecido como poluente de longa vida – permanece na atmosfera por 100 anos. Depois de 10 anos, o CH4 é decomposto em CO2, entrando no ciclo do carbono onde o gás é absorvido pelas plantas e convertido em celulose. 

 

Vale dizer que, apesar do GWP de todos os gases ser maior que o GWP do CO2, este se apresenta em maior quantidade que os demais, tendo, portanto, maior representatividade no efeito estufa.

 

E o que a pecuária teria a ver com o Efeito Estufa? 

 

Os ruminantes (bovinos, ovinos e caprinos) são animais exclusivamente herbívoros que ao longo da evolução sofreram modificações significativas sobretudo em relação ao trato gastro-intestinal (TGI), para que pudessem ter uma alta eficiência na absorção de nutrientes vindas dos alimentos com alto teor de carboidratos fibrosos. Da fibra dietética os ruminantes obtêm a energia e dos compostos nitrogenados não proteicos, obtém proteína. 

 

Assim, o estômago dos ruminantes apresenta-se dividido em quatro compartimentos: rúmen, retículo, omaso e abomaso. Além disso, existe uma relação simbiótica com micro-organismos presentes no “estômago” dos ruminantes: fungos, protozoários e bactérias (conhecidos como “microbiota ruminal”) são imprescindíveis para que as fibras possam ser aproveitadas como nutrientes. 

 

Os três primeiros compartimentos do estômago dos ruminantes (rúmen, retículo e omaso) têm atividade fermentativa devido à presença da microbiota ruminal.  Através da fermentação da fibra dietética, os ruminantes obtêm proteínas, ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) e vitaminas do complexo B. O abomaso é considerado o “estômago verdadeiro”, com produção de HCl e decomposição hidrolítica enzimática dos nutrientes. 

 

A fermentação do alimento ingerido é um processo anaeróbio efetuado pela população microbiana ruminal, em que os carboidratos celulósicos são convertidos em ácidos graxos de cadeia curta, os quais são utilizados pelo animal como fonte de energia. Bactérias metanogênicas presentes no rúmen obtêm energia para seu crescimento ao utilizar H2 para reduzir COe formar metano (CH4).

 

Para que haja um bom aproveitamento da fibra dietética, são necessárias  condições favoráveis para microbiota ruminal, como pH ideal entre 5,5 e 6,8, substrato constante para fermentação, temperatura ideal entre 38 e 42 °C, ambiente anaeróbico, potencial redutor e taxa de passagem constante da digesta, suprimento de amônia e nitrogênio amoniacal para que os micro-organismos ruminais possam utilizar esses compostos na síntese de proteína microbiana, além da remoção dos produtos da fermentação, que são os gases metano (CH4) principalmente, e o carbônico (CO2). A eliminação dos gases se dá através de movimentos peristálticos em direção ao retículo e daí para o esôfago e a boca (ou seja, o ruminante arrota os gases). 

O pesquisador Euen Nisbet, do Departamento de geociência da Universidade de Londres descobriu um forte aumento do metano na atmosfera nos últimos 10 anos. De acordo com Nisbet, o metano é gerado naturalmente em pântanos e áreas alagadas, bem como pelos animais ruminantes, mas a natureza possui mecanismos próprios para decompô-los, de forma que a concentração atmosférica não deveria aumentar de maneira tão súbita e forte como vem acontecendo. Para o pesquisador, “o ser humano está desmantelando a ordem natural”, uma vez que o metano também é liberado na extração de carvão mineral ou no transporte de gás natural ou ainda quando um gasoduto vaza. A última vez que a concentração atmosférica de CH4 aumentou de modo tão dramático foi nos anos 1980, e “na época a União Soviética ampliava sua produção de gás enormemente”, recorda Nisbet. Ainda, no período entre 1999-2006 a concentração atmosférica de CH4 se manteve constante, enquanto a população de gado aumentou em mais de 100 milhões de cabeças de acordo com a FAO (Hristov et al., 2018). Essas observações empíricas mostram que o gado não pode ser implicado como culpado isoladamente pela concentração atmosférica de CH4. 

Sobre o autor | Website

Sou médico, empresário e apaixonado por saúde. Nasci em uma família de médicos e aprendi desde cedo a questionar o status quo. Me formei em 2011 pela Faculdade de Medicina da UERJ, tirei dois títulos em duas especialidades médicas diferentes em menos de 5 anos de formado e criei junto com meu irmão, Dr. Gabriel Azzini, o programa Homem Super Saudável. Hoje tenho um dos principais podcasts do Brasil, mais de 2.000 mil alunos e centenas de milhares de seguidores no Youtube, Instagram e Podcast. Minhas obsessões incluem células tronco, terapias de crescimento capilares, modulação hormonal, jejum intermitente e suplementação regenerativa.