IBPs Medicamentos Inibidores Da Bomba De Proton
O estômago secreta por dia cerca de 2,5 litros de suco gástrico, composto por ácido clorídrico, enzimas e fator intrínseco. Destes, o ácido clorídrico confere ao suco gástrico uma faixa de pH muito baixa, menor que 2.
Ácido Clorídrico
A liberação de ácido clorídrico é feita através da enzima H+/K+-ATPase (bomba de prótons), que fica localizada nos canalículos das células parietais e que é responsável pelo transporte de íons de hidrogênio para o lúmen gástrico.
A ativação dessa enzima depende de três estímulos principais: gastrina, histamina e acetilcolina, refletindo o controle endócrino, parácrino e neural (respectivamente) da secreção do ácido.
Gastrina
A gastrina é secretada pelas células G antrais e estimulam as células semelhantes a enterocromafins (ECL), acelerando a liberação de histamina.
A histamina se difunde para interagir com os receptores H2 nas células parietais; e o eferente vagal libera acetilcolina que também estimula as células parietais através da ligação aos receptores M3.
O suco gástrico é o principal agente da digestão das proteínas pelo estômago. Através do ácido clorídrico, o pepsinogênio é convertido em pepsina, uma protease.
A alta acidez do estômago também tem por função eliminar muitas micro-organismos indesejados, protegendo o organismo de uma infecção.
Inibidores Da Bomba De Prótons
Desde a introdução do omeprazol em 1989, os inibidores da bomba de prótons (H+/K+-ATPase) ou IBPs, tornaram-se o pilar da gastroenterologia moderna no tratamento de distúrbios relacionados ao ácido gástrico.
Os IBPs representam atualmente a primeira escolha para o tratamento da esofagite, refluxo gastroesofágico, úlceras gástricas e duodenais, prevenção e tratamento de danos causados pelo uso de anti-inflamatórios não-esteroidais, Síndrome de Zollinger-Ellison, esôfago de Barrett´s e dispepsia funcional.
Em combinação com antibióticos, os IBPs também são parte integrante da terapia de erradicação do Helicobacter pylori.
Os IBPs incluem omeprazol, lansoprazol, dexlansoprazol, esomeprazol, rabeprazol e pantoprazol, todos disponíveis em formulações orais. Apresentações intravenosas são encontradas tanto para o esomeprazol, quanto para o pantoprazol.
Todos os IBPs atualmente aprovados são derivados de benzimidazol: moléculas orgânicas heterocíclicas que incluem uma piridina e porção benzimidazole ligada por um grupo metilsulfinil.
Aspectos Farmacocinéticos Dos Inibidores Da Bomba De Prótons
É importante ressaltar alguns aspectos farmacocinéticos dos IBPs. Ao contrário dos anticolinérgicos e dos bloqueadores do receptor de histamina 2, os IBPs inibem a via final comum da secreção do ácido (H +/K + ATPase) em resposta a toda e qualquer estimulação da célula parietal.
Embora a meia-vida seja de cerca de 1 hora, a inibição da H+/K+ ATPase gástrica é irreversível. Com isso, as bombas de próton não se regeneram e, para que a secreção de ácido seja restaurada, novas bombas devem ser sintetizadas, o que pode levar até 36 horas.
Deve-se considerar o efeito rebote com o uso dos IBPs. A inibição da secreção do ácido faz com que as células enterocromafins (ECL) passem a secretar mais histamina para estimular a bomba de próton, causando com isso a hiperplasia das células.
Assim, essa hiperplasia das ECL induzida por IBPs causam a hipersecreção de ácido por rebote após a retirada do IBPs. Com isso, o paciente tende a se sentir pior após a descontinuação do medicamento, e assim retomam o uso por conta própria.
Efeitos Colaterais Dos IBPs
Os IBPs foram originalmente aprovados para uso a curto prazo (4 semanas, com não mais do que 2 ciclos de tratamento por ano).
Entretanto, na ausência de controle na venda, o uso indiscriminado a longo prazo tem sido associado a diversos efeitos colaterais, como deficiências nutricionais (vitamina B12, cálcio, magnésio e ferro), danos renais, fratura por osteoporose, infecção por Clostridium difficile, rabdomiólise, anemia, trombocitopenia, infarto do miocárdio e até demência.
Além disso reaçõs adversas a essa classe de medicamentos incluem reaçõs alérgicas como urticária, e angioderma, além de dispneia, astenia, principalmente relacionados ao pantoprazol.
Apesar de não serem indicados para uso a longo prazo, estudos observacionais mostraram que os efeitos colaterais associados aos IBPs também se dá com o uso a curto prazo.
Os diversos efeitos colaterais parecem estar relacionados à interferência dos IBPs na acidificação lisossomal, pois nos lisossomos também são encontradas as bombas de prótons.
Os eventos vasculares podem ser devidos ao comprometimento dos lisossomos das células endoteliais que revertem os vasos sanguíneos.
O comprometimento crônico da acidez lisossomal compromete a função das enzimas lisossomais, resultando no acúmulo de agregados de proteínas nas células endoteliais e assim desencadeando inflamação vascular, responsável por acelerar a aterosclerose e o risco de doença arterial coronariana.
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Efeito Trombótico Dos IBPs
Quanto ao efeito trombótico dos IBPs, análises retrospectivas de ensaios clínicos randomizados mostraram que pacientes com síndromes coronárias agudas em uso de clopidogrel (antiplaquetário) apresentaram menor ação desse medicamento quando o esomeprazol foi administrado em conjunto.
Entretanto, um estudo de meta-análise mostrou que há um aumento de 30% na incidência de eventos cardiovasculares adversos maiores (MACE), independentemente do uso de clopidogrel.
Os IBPs também podem aumentar a reatividade plaquetária e trombose ao prejudicar a atividade da enzima dimetilarginina dimetilamino-hidrolase, presente em todas as células e que degrada a dimetilarginina assimétrica (ADMA), o inibidor endógeno de óxido nítrico (NO) sintase.
Níveis plasmáticos mais elevados de ADMA inibem a geração de NO vascular e estão associados a um aumento do risco de MACE. O NO inibe a agregação plaquetária, por isso a redução de NO induzida por IBPs aumenta o risco de trombose.
Estudos in vitro também mostraram que os IBPs geram aceleração da senescência das células endoteliais, confirmada pela redução da proliferação celular, encurtamento dos telômeros e capacidade angiogênica prejudicada.
Como a saúde das células endoteliais é condição primordial para a função cognitiva, a disfunção endotelial causada pelos IBPs é um mecanismo plausível de demência vascular.
Soma-se à esse fato, a interferência dos IBPs na acidificação dos lisossomos. Normalmente, o ambiente ácido nos lisossomos permite a degradação do peptídeo Aβ.
Como os IBPs podem cruzar a barreira hemato-encefálica, eles atuam nas ATPases de forma inibitória, causando menor degradação de Aβ e, portanto, uma redução em sua depuração, o que pode aumentar a progressão da Doença de Alzheimer e o declínio cognitivo.
Bombas De Prótons Várias Funções Fisiológicas Em Neurônios
Além disso, há evidências de atividade de H+/K +ATPase no Sistema Nervoso Central, tendo as bombas de prótons várias funções fisiológicas em neurônios, como o empacotamento de neurotransmissores em vesículas sinápticas, exocitose e endocitose em terminais nervosos.
Alguns IBPS, como lansoprazol, esomeprazol e pantoprazol estão associados a efeitos neurológicos adversos, como dores de cabeça e tonturas/vertigens.
Outros efeitos adversos que envolvem o SNC (com uma frequência de < 1%) incluem depressão, diplopia, perturbação do sono (sonolência ou insônia), nervosismo e tremor. Existem ainda relatos de alucinações e delírios com o uso de IBPs.
Os IBPs são capazes de passar a barreira hemato-encefálica e causar efeitos diretos nos neurônios; entretanto os efeitos colaterais neurológicos induzidos pelos IPBs pode se dar também de forma indireta, pela deficiência de vitamina B12 e magnésio.
A acidez gástrica é necessária para a absorção de vitamina B12, que é uma vitamina essencial. Uso de IBPs causa hipocloridria, o que resulta na má absorção de vitamina B12. A deficiência de vitamina B12 tem sido associada à demência e deficiência cognitiva.
Além disso, em 2011, o FDA emitiu uma advertência de classe com base em 61 relatos de casos individuais indicando que o uso prolongado de IBP pode resultar em baixos níveis de magnésio.
Enquanto o mecanismo responsável para e a verdadeira incidência de hipomagnesemia associada a IBP são desconhecidos, o FDA recomenda verificar os níveis de magnésio periodicamente em pacientes com expectativa de tratamento prolongado com IBP ou que tomam IBPs com medicamentos como digoxina ou drogas que pode causar hipomagnesemia (por exemplo, diuréticos).
Outros Efeitos Colaterais Do Uso de Inibidores Da Bomba De Prótons
Além do SNC, a função renal é dependente sobremaneira da saúde das células endoteliais, e por isso a disfunção endotelial causada pelos IBPs é um mecanismo plausível que justifica os efeitos colaterais em nível renal.
Sobre isso, foi relatado pela primeira vez em 1992 que o uso de IBP poderia causar nefrite intersticial aguda (NIA) e, mais de uma década depois, a NIA induzida por IBP tornou-se reconhecida como uma entidade clínica. O mecanismo por trás do aumento do risco observado de doença renal crônica em usuários de IBP ainda não é totalmente conhecido.
Inicialmente foi considerado que os medicamentos inibidores da bomba de prótons gástrica também atuariam inibindo outras bombas de prótons, como aquelas encontradas nos túbulos renais; no entanto, os IBPs não afetam o manejo de eletrólitos ou acidificação na urina em pacientes que usam 60 mg/dia de omeprazol em curto prazo. Recentemente foi visto que a NIA induzida por IBP pode progredir para Doença renal Crônica.
Outro efeito colateral bastante associado ao uso de IBPs é a fratura óssea. E o riso de fratura é ainda maior em usuários de IBPs que apresentam comorbidades como AVC, refluxo gastroesofágico, Alzheimer, hemodiálise e transplante renal.
Dois principais mecanismos subjacentes à fratura óssea induzida por IBP são a hipergastrinemia e a hipocloridria.
Hipergastrinemia
A hipergastrinemia tem como característica uma maior secreção de histamina. Sabe-se que a histamina eleva a taxa de diferenciação dos precursores de osteoclastos, células envolvidas na reabsorção e remodelagem do tecido ósseo.
Além disso, a hipergastrinemia está relacionado ao hiperparatireoidismo com elevação nos níveis séricos de PTH e marcadores de remodelação óssea (osteocalcina sérica e fosfatase alcalina), e uma diminuição na excreção renal de cálcio e hidroxiprolina.
Hipocloridria
Acredita-se também que a hipocloridria causada por IBPs possa diminuir a absorção de minerais essenciais para a saúde óssea. A hipocloridria associada ao aumento do pH gástrico podem reduzir a ionização do cálcio e afetar a absorção intestinal.
A redução do cálcio circulante faz com que a paratireoide secrete mais PTH para mobilizar o armazenamento de cálcio no osso. Este processo, que envolve reabsorção óssea, deteriora a microestrutura e a resistência óssea e aumenta o risco de fratura.
Nos últimos anos a microbiota intestinal e sua importância na homeostase como um todo tem ganhado bastante atenção. Nesse sentido, evidências indicam que os IBPs são capazes de modificar a microbiota do hospedeiro em cada segmento do TGI, podendo assim contribuir para o desenvolvimento da disbiose; esta, por sua vez, pode facilitar o aparecimento de certos distúrbios gastrointestinais.
No estômago, por exemplo, os IBPs têm efeitos desfavoráveis nas funções gástricas e nos mecanismos de defesa do hospedeiro, causando retardo no esvaziamento gástrico, diminuição da viscosidade do muco gástrico (que protege o estômago da ação do HCl), aumento da carga bacteriana e aumento da translocação bacteriana.
É importante ter em mente que a hipocloridria promove uma redução na diversidade microbiana e o crescimento de micro-organismos com potencial genotóxico, com um aumento nas funções bacterianas do nitrato/nitrito redutase envolvidas no desenvolvimento do câncer.
IBPs e o Câncer
De fato, o papel dos IBPs no desenvolvimento de câncer estomacal está em debate, com alguns estudos e meta-análises relatando um risco aumentado de desenvolvimento desse tipo de câncer em usuários de IBP de longo prazo, mesmo após erradicação do Helicobacter pylori.
Em relação ao Helicobacter pylori vale ressaltar que, dependendo do local de colonização, a disbiose pode estar associada a um aumento ou diminuição na secreção de ácido, que influencia ainda a composição da microbiota gástrica.
A infecção por H. pylori pode levar à gastrite predominante do antro, na qual a mucosa oxíntica não está inflamada, mas ocorre um aumento da produção de ácido induzida por gastrintomia, juntamente com o possível desenvolvimento de úlcera duodenal.
Entretanto quando a infecção se espalha para a mucosa oxíntica, causa pangastrite, que está associada à hipocloridria, e é responsável pelo desenvolvimento de gastrite atrófica crônica, metaplasia intestinal e, finalmente, displasia e câncer estomacal.
Vários estudos têm mostrado que a migração bacteriana do antro para o corpo gástrico e fundo ocorre com mais frequência durante uso prolongado de IBPs.
Portanto, é recomendado erradicar a infecção por H. pylori em todos os pacientes que requerem terapia de longo prazo com IBP para interromper o estímulo pró-inflamatório e ainda reduzir o risco de câncer estomacal.
O fato de haver variação no surgimento de efeitos colaterais ao uso de IBPs em alguns indivíduos pode ser explicado pela variação fenotípica relacionada ao gene CYP2C19. Dentre as enzimas do Citocromo P450, a CYP2C19 é uma das que apresenta maior significado clínico na metabolização dos IBPs.
Indivíduos com fenótipo de “metabolizador lento” apresentam pH intragástrico mediano de 24 h consideravelmente mais alto do que o metabolizador normal. Assim, metabolizadores lentos, com hipoacidez e hipergastrinemia mais pronunciadas, são mais propensos a desenvolver muitos dos efeitos adversos apresentados.
Uso Crônico De IBPs
A maioria dos pacientes que fazem uso crônico de IBPs na verdade não têm indicação para tal, por isso aconselha-se terapia de redução do uso.
A acidez rebote com a interrupção do uso de IBP pode ser controlada com o uso de antagonista de H2 (como por exemplo ranitidina) e anti-ácido neutralizante. Além disso, o paciente deve modificar o estilo de vida: perder peso, reduz a ingestão de álcool e café, parar de fumar, etc.
O uso de IBPs visando a profilaxia das úlceras gástricas deve ser limitado ao ambiente de UTI, nos seguintes cenários: pacientes com coagulopatia significativa; pacientes em ventilação mecânica; pacientes com histórico de ulceração gastrointestinal ou sangramento dentro de 1 ano da admissão; sangramento oculto por mais de 6 dias, pacientes com alta dose de esteroides; pacientes em coma (Escala de Glasgow ≥ 10) ou indivíduos com lesão medular; lesão térmica em mais de 35% da superfície corporal; estado pós-hepatectomia portal ou insuficiência hepática; ou pacientes submetidos a transplante de órgão; e sepse.
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